STJ, Info 854 - A prova penal produzida no exterior deve observar a lei do país em que foi obtida, mas poderá ser inadmitida no Brasil se violar soberania, ordem pública ou bons costumes
- Informativos Jurídicos

- 14 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de jul.
A prova obtida por meio de cooperação internacional em matéria penal deve ter como parâmetro de validade a lei do Estado no qual foi produzida, nos termos do art. 13 da LINDB, podendo, contudo, não ser admitida no processo em curso no território nacional se o meio de sua obtenção violar a ordem pública, a soberania nacional e os bons costumes brasileiros.

Imagine a seguinte situação....
Caio, Tício e Mévio são investigados por envolvimento com uma organização criminosa internacional ligada ao tráfico de drogas. Durante as apurações, autoridades francesas acessaram mensagens trocadas pelo aplicativo SKY ECC, usado pelo grupo, e enviaram essas informações ao Brasil por meio de um acordo de cooperação internacional.
No processo penal brasileiro, a defesa de Tício suscitou a nulidade destas provas, alegando que não havia decisão judicial francesa autorizando a coleta dos dados.
A prova produzida no exterior e obtida por meio de cooperação jurídica internacional deve observar as regras de produção de prova brasileiras?
Não. A validade da prova obtida por meio de cooperação internacional penal deve ser aferida com base na legislação do país em que foi produzida, conforme dispõe o art. 13 da LINDB (princípio da lex diligentiae). A legislação brasileira apenas intervém para avaliar se a prova não viola a ordem pública, a soberania nacional e os bons costumes brasileiros.
É necessária a juntada da decisão judicial estrangeira que autorizou a colheita da prova?
Não. Desde que a prova tenha sido formalmente transmitida por cooperação jurídica internacional válida, há presunção de legalidade e regularidade do ato praticado no exterior. Cabe à defesa apresentar elementos mínimos para afastar essa presunção. A ausência de decisão judicial estrangeira não gera nulidade automática
A ausência de autorização judicial no exterior torna a prova inadmissível no Brasil?
Não, salvo se demonstrada violação a princípios fundamentais brasileiros. A atuação das autoridades francesas respeitou a legislação local, e a documentação foi formalmente remetida ao Brasil com base no Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal (Decreto n. 3.324/1999). A ilegalidade deve ser demonstrada com base em parâmetros do país de origem da prova.
O STJ já possuía entendimento anterior neste sentido:
Não viola a ordem pública brasileira o compartilhamento direto de dados bancários pelos órgãos investigativos mesmo que, no Estado de origem, sejam obtidos sem prévia autorização judicial, se a reserva de jurisdição não é exigida pela legislação local. STJ, 5ª Turma, AREsp 701.833-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 04/05/2021 (Info 621). |
Qual é o papel da Justiça brasileira na análise da legalidade da prova estrangeira?
A Justiça brasileira não possui competência para revisar atos jurídicos internos praticados por outro Estado soberano. Exigir a aplicação retroativa da legislação brasileira à colheita de prova no exterior violaria a soberania do país requerido. A intervenção só é admissível para rechaçar provas que, mesmo formalmente lícitas no país de origem, ofendam valores fundamentais do ordenamento jurídico nacional.
A utilização de provas como as do aplicativo SKY ECC viola a ordem pública brasileira?
Não necessariamente. Ainda que o conteúdo seja sigiloso no Brasil, isso não é suficiente para configurar violação à ordem pública, salvo se a colheita das provas no país de origem (França) for comprovadamente ilícita — o que não ocorreu neste caso.
Em síntese:
A prova obtida por meio de cooperação internacional em matéria penal deve ter como parâmetro de validade a lei do Estado no qual foi produzida, nos termos do art. 13 da LINDB, podendo, contudo, não ser admitida no processo em curso no território nacional se o meio de sua obtenção violar a ordem pública, a soberania nacional e os bons costumes brasileiros.
Fonte: STJ, 6ª Turma, Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 06/05/2025, p. 19/05/2025, Info. 854
