#Opinião - Reconhecida pelo júri qualificadora subjetiva (motivo torpe), o juiz togado não pode aplicar a atenuante da violenta emoção (art. 65, III, "d", CP) na dosimetria da pena
- Informativos Jurídicos

- 11 de jul.
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Atualizado: 22 de jul.
O reconhecimento, pelo Conselho de Sentença, de qualificadora de natureza subjetiva (motivo torpe) inviabiliza a aplicação, pelo juiz togado, de atenuantes genéricas de natureza subjetiva (artigo 65, III, "d", do Código Penal).

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que é possível o homicídio privilegiado/qualificado quando as qualificadoras forem de natureza objetiva:
(...) 3. O reconhecimento da figura privilegiada constante no § 1º do art. 121 do CP, de que o réu agiu sob violenta emoção, após injusta provocação da vítima, por ser de natureza subjetiva, é compatível com as qualificadoras de ordem objetiva, como na hipótese, do emprego de recurso que impossibilitou a defesa do ofendido. Precedentes. 4. A fração mínima de redução decorrente do homicídio privilegiado revela-se proporcional e concretamente motivada no acórdão recorrido, segundo o qual o delito foi perpetrado em local diverso daquele em que teria ocorrido a injusta provocação, tendo decorrido tempo suficiente para que o agravante pudesse refletir melhor sobre sua conduta. Além disso, ele aguardou a saída da vítima do clube onde estava, interceptando-a dentro do táxi. A Corte de origem consignou que o réu agiu com mais cólera e frieza do que com violenta emoção. (...) (STJ - AgRg no REsp: 950404 RS 2007/0102428-7, Relator.: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 12/03/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/03/2019) (grifos-nossos)
(...) 2. Qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima deve ser mantida, tendo em conta que o modus operandi bem destacado no acórdão e a decisão soberana dos jurados no caso concreto, que analisou a situação e verificou se a situação permitiu ou não a defesa da vítima. 3. Em sendo a qualificadora do inciso IV de ordem objetiva, não há nenhuma incompatibilidade do seu reconhecimento em concomitância ao privilégio . Precedentes. 4. O princípio da soberania dos veredictos é basilar e não pode ser afastado por interpretação do Tribunal local que retira dos jurados a possibilidade de decidir o caso concreto, de acordo com as provas apresentadas pela acusação e pela defesa 5. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 2087627 SP 2023/0261550-0, Relator.: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 10/09/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2024) (grifos-nossos)
O tema é igualmente pacífico no E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP - Apelação Criminal: 1500056-60.2019.8 .26.0238 Ibiúna, Relator.: Ivana David, Data de Julgamento: 26/10/2023, 7ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 26/10/2023; TJ-SP - RVCR: 00500689020198260000 SP 0050068-90.2019 .8.26.0000, Relator.: Moreira da Silva, Data de Julgamento: 13/12/2022, 7º Grupo de Direito Criminal, Data de Publicação: 13/12/2022; TJ-SP - EP: 00045962820228260496 SP 0004596-28.2022 .8.26.0496, Relator.: Jayme Walmer de Freitas, Data de Julgamento: 06/07/2022, 3ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 06/07/2022).
De igual modo, a atenuante genérica prevista no artigo 65, inciso III, alínea "c", do Código Penal — segundo a qual se reconhece que o agente cometeu o crime “sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima” — é também de natureza subjetiva. Assim como o privilégio do §1º do artigo 121 do Código Penal, essa circunstância atenuante exige juízo valorativo sobre a motivação psicológica do agente no momento do crime, o que a torna incompatível com o reconhecimento concomitante da qualificadora do motivo torpe, já acolhida pelo Conselho de Sentença.
Com efeito, há evidente antagonismo lógico entre as duas hipóteses. Se o agente praticou o crime por motivo torpe, não há como se sustentar que foi dominado por violenta emoção causada por injusta provocação. A torpeza exclui a ideia de reação emocional imediata. O homicídio praticado sob violenta emoção pressupõe circunstâncias que, ainda que não justifiquem, atenuam a censura da conduta. Já o motivo torpe agrava sensivelmente sua reprovabilidade. Ou o motivo é torpe, ou o agente foi provocado e reagiu emocionalmente; ambas as hipóteses não podem coexistir.
Nos casos em que o Conselho de Sentença reconhece a causa de diminuição de pena prevista no §1º do artigo 121 do Código Penal — o chamado homicídio privilegiado —, a admite-se que, havendo qualificadoras de natureza subjetiva, como o motivo torpe ou fútil, essas deixem de ser submetidas à votação, por se tornarem incompatíveis com o privilégio. Isso ocorre porque, conforme já visto, tanto o privilégio, como a qualificadora subjetiva, exigem valorações antagônicas sobre a motivação do crime. Nessa situação, prevalece a causa de diminuição reconhecida pelo júri, e as qualificadoras subjetivas ficam prejudicadas.
Entretanto, essa sistemática não se aplica às atenuantes genéricas, como a do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal. Isso porque as atenuantes não são quesitadas ao Conselho de Sentença, mas analisadas exclusivamente pelo juiz togado, na segunda fase da dosimetria da pena. Assim, se os jurados reconheceram que o crime foi praticado por motivo torpe, não é possível ao magistrado, posteriormente, aplicar atenuante subjetiva que negue, na prática, essa motivação. Para preservar a soberania dos veredictos, a consequência lógica e jurídica é o afastamento da atenuante, diante da sua incompatibilidade com a qualificadora reconhecida soberanamente pelo Tribunal do Júri.
Dessa forma, tendo o Conselho de Sentença acolhido expressamente a qualificadora do motivo torpe — de natureza subjetiva —, mostra-se inviável o reconhecimento superveniente, pelo juiz togado, da atenuante genérica pleiteada pela defesa. Permitir tal conclusão seria usurpar a competência do júri e violar o princípio da soberania dos veredictos, previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "c", da Constituição Federal.



